10 de Copas

Aline Ferreira - Tarot Sereno
3 min readNov 2, 2021

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Esse foi um final de semana da família.

Minha mãe é a mais velha de cinco irmãs. Uma das histórias que ouvi esse final de semana, inclusive, fazia referência a esse fato. “Tu é filha de Zé Carlos?”, perguntou alguém a uma das minhas tias dia desses. “Filhas de Zé Carlos” era uma identidade na rua de onde minha família de sangue saiu. Eu mesma, já grande, fui confundida várias vezes com um Filha de Zé Carlos, ao que sempre respondia “não, sou neta”. Era engraçado ver a reação das pessoas. Ninguém sabia direito quem era quem naquele mundaréu de mulher, então apenas identificava como Filha de Zé Carlos e tava tudo bem, dava sentido ao mundo delas.

Zé Carlos. O pior ser humano que eu já conheci na minha vida.

Nesse fim de semana dormi na casa da minha mãe. Dia seguinte, fui pra casa de uma das minhas tias, e uma outra tia estava lá. Nesse meio tempo, falei com minhas outras duas tias pelo Whatsapp. Tive overdose de família.

Será que tive? Porque uma das tias com quem tive contato é alguém com quem não falo. Será que só é possível ter overdose de família com quem dividimos legalmente um sobrenome?

Afinal, o que é família?

Sempre tive pra mim que família são os laços que a gente constrói, não os que a lei dizem que existem. Era só uma ideia, sem muita comprovação ou experiência. Ao longo da vida, pude coletar evidências de que isso é mais certo no meu coração do que imaginei ser.

Hoje é aniversário da minha cunhada, a quem tenho como irmã (se fosse “de verdade” complexificaria demais minha relação com ela, concordam?). Não consegui ver meu irmão mais novo por causa do trabalho; irmão que por um tempo me chamou de irmãe porque fui eu quem o criou. Sinto muitas saudades da minha prima, com quem cresci dividindo, sem saber, os conceitos implícitos de sororidade. Minhas primas e meu primo, todo mundo mais novo, pra mim são ainda as crianças, que eu às vezes buscava na escola, levava pro parquinho ou tomava conta quando minha tia precisava.

“Mas o que é família pra você?”, perguntou minha terapeuta umas semanas atrás.

A resposta mais fácil é dizer que família é aquele conjunto de pessoas ligadas pelo sangue e sobrenome. A um pouco menos fácil nos diz que família são aquelas pessoas que escolhemos estar ao nosso lado, que optamos por amar e que escolhem nos amar de volta ou que simplesmente estão ali, como algo além de uma rede de apoio formada por amizades.

Curioso (ou não) escrever esse texto no Dia de Finados, lembrando do pai que tive por opção e que, por outro lado, me elegeu filha dele.

O 10 de Copas fala de uma família idealizada. Quando olhamos para esse conceito pensamos logo num casal cisgênero e heterossexual capaz de gerar prole. Aliás, essa é a ilustração da carta no tarot de Waite-Smith, né? Mas acontece que muita gente esquece da palavra importante na sentença: “idealizada”. Família pra você é aquilo que você tem na cabeça como uma ideia ou é algo que você pratica no dia a dia, independente de convenções sociais e conexões legais?

Termino esse texto de maneira clichê… mas o que é mais clichê do que comercial de família-margarina, né?

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