8 de Espadas
Assim como aconteceu com muita gente com tempo livre, meus estudos de tarot começaram na pandemia. Dentre as minhas referências de conteúdo, Liza Golba se destaca por ser uma das pessoas mais generosas (e divertidas) no ensino dos significado das cartas. Um dos vídeos dela ficou na minha cabeça por anos: Liza ensinava a identificar a vibração do consulente no momento do atendimento e quando caiu o 8 de Espadas, ela logo mandou um “iiihhh, esse aqui é um mentiroso… é daquelas pessoas que quando começar a falar você vai precisar filtrar muito, porque tudo o que ele fala é mentira”.
Essa fala me impactou tanto que, bem, anos depois estou aqui usando como ponto de partida para o texto de hoje. No início não entendi bem o que ela queria dizer e confesso que achei até meio fora de lugar: na época, o que se destacava no 8 de Espadas para mim era o ciclo vicioso em que a mulher no centro da carta vive presa, muito por não acreditar que tem força o suficiente para se livrar das bandagens e andar entre as espadas fincadas em volta de seu corpo sem se machucar. “Como essa pessoa pode ser um consulente mentiroso?” foi a pergunta que martelou minha cabeça por todo esse tempo. Afinal, o 8 de Espadas é uma vítima, certo?
Talvez.
O 8 de Espadas é um pouco aquela tirinha do cara que coloca um cano na roda da própria bicicleta, cai e fica no chão sentindo dor.
O arcano fala da sucumbência à impotência, mesmo antes da tentativa. A mulher no centro da carta pode se livrar das amarras frouxas de tecido fino que restringem seu corpo, mas não acredita que é possível. Tem medo. Querendo ou não, seu movimento abrirá porta para algo desconhecido. O desconforto da permanência é compensado pela sensação de acolhimento proporcionada pela familiaridade, por mais perverso que seja o cenário.
A saída é a inércia. Por costume, por medo, por insegurança ou o que quer que seja, o 8 de Espadas cria um mundo em que ele é a grande vítima das circunstâncias e nada pode ser feito para mudar a situação. Daí a Liza dizer que é o consulente mais mentiroso: ele vai fazer as perguntas apresentando todos os argumentos que provam o quanto é injustiçado, vai fechar os ouvidos para as soluções que o implicam em ações e responsabilidades, vai argumentar que não tem o que ser feito… e vai mentir, caso julgue necessário para manter a fantasia da impotência.
Não digo que foi o 8 de Espadas quem armou a própria armadilha. É fato que a carta fala de quem está ali no meio dos problemas quase preferindo estar, quaisquer que sejam os motivos que levaram a isso, mas às vezes as espadas foram colocadas ali por outras pessoas, que precisam ser responsabilizadas por isso. Nesse ponto, o 8 de Espadas é sim uma vítima. Com certeza você conhece pelo menos uma pessoa que sofre ou já sofreu manipulação emocional. Essas pessoas precisam de ajuda, não de julgamento. Se elas estão preparadas e abertas para receber essa ajuda é outra conversa, mas, em se tratando de tarot como ferramenta para enriquecer relações humanas, cada caso deve ser tratado individualmente, sem generalizações.
Nem sempre é fácil lidar com um 8 de Espadas e não estou propondo que ninguém se obrigue. A proposta aqui é outra, já que tarot serve ao autoconhecimento: em que momento da vida você foi um 8 de Espadas? Os problemas que você enfrenta hoje são do tamanho que parecem ter ou sua visão está turvada pela mesma venda que cobre os olhos do arcano? Qual é o medo que te paralisa e impede de tomar as rédeas da própria vida para deixar de depender de terceiros ditando seu caminho? São perguntas difíceis de responder porque muitas vezes tocam numa ferida que a gente não tem costume de mexer mas, falando por mim mesma, é libertador perceber o quanto da minha vida depende apenas de eu tomar uma atitude. Deixar de viver em função do outro abre diversas portas, dentre elas para os próprios desejos, para a autonomia e para a independência.