A Temperança
“ ‘Ah, você precisa equilibrar suas águas…’ mas que raio de água é essa? O que você tá passando pro seu consulente com essa frase? A pessoa que pagou a consulta tá te entendendo?”
Quem disse isso foi Liza Golba, uma taróloga que acho muito generosa compartilhando conhecimento. Nesse dia ela comentava sobre estudos rasos de tarot, memorização de palavras e expressões chave e o quanto isso impedia um exercício rico da taromancia.
O arcano em discussão era A Temperança. A aula passava pelos símbolos da carta e Liza falava sobre as taças que o anjo usa para ajustar a temperatura da água que passa de um cálice a outro. A ideia de equilíbrio é bastante óbvia, tanto é que costuma ser o primeiro atributo destacado por quem estuda o arcano.
Extrapolar o óbvio sem viajar muito é difícil, mas importante. Perder o sentido do arcano leva a interpretações incorretas. Por outro lado, exercitar um mergulho mais corajoso e se deixar levar pelos insights traz uma miríade de possibilidades a ser exploradas. Gostoso demais.
Daí, pensando cá com meus botões, me peguei reparando no tamanho das taças. Elas são grandes, mas ainda são taças. Não são baldes, não são garrafas: são taças. Por maiores que sejam, ainda comportam uma quantidade limitada de líquido.
Mais uma obviedade, não? Comecei falando de platitudes nos estudos e tô aqui repetindo o óbvio. A parada é que o óbvio às vezes precisa ser dito pra trazer a gente pro que é importante.
No meu caso, foi importante perceber que as taças devem conter só aquilo que é extremamente importante. Passou um pouquinho, ela transborda. A gente perde a água que deveria equilibrar porque aquele pouco a mais de água diluiu o que é relevante e puft, já era.
Antes de saber como lidar com o equilíbrio das águas, é preciso voltar duas casas e conhecer a capacidade do recipiente que você tem nas mãos. Deixar ali só o essencial. Não adianta querer beber um café encorpado e jogar um litro de água em uma colher de sopa de pó. Pior ainda, esperar que isso caiba numa xícara de tamanho regular.
De grão em grão a galinha enche o papo. De gota em gota a taça vai enchendo de tristezas, mágoas, raivas, frustrações e remorsos. Pra quem não souber esvaziar a taça de tempos em tempos, as experiências mal resolvidas vão se acumulando até transbordarem — algumas vezes, até explodirem mesmo. Não temos controle sobre o que sentimos ou deixamos de sentir, mas é possível buscar o bom manuseio das taças. O equilíbrio passa por entender o que se sente.
Trabalhar para equilibrar as águas é mais do que só passar o líquido de um copo pro outro: é, também, cuidar para que os excessos não te transformem no Diabo. O conhecimento dos próprios limites (alô, Imperador) é aspecto um pouco mais sutil na Temperança, mas tá ali. Basta se entregar ao arcano que esse conhecimento vem.
É isso. Tenho a sensação de que poderia falar muito mais do que tá aqui, mas as coisas ainda estão se acomodando na minha mente. Escrever depois da terapia tem dessas. Com o tempo, é bem capaz que eu revisite esse texto com outras percepções. Tomara. O gostoso de praticar tarot é isso, volta e meia a gente descobre uma forma diferente de se relacionar com os arcanos; no processo, a gente também descobre formas diferentes de se relacionar com o mundo.