Seis de Copas
“O passado é lugar de referência, não de permanência.”
Desde que li essa frase umas semanas atrás, numa tiragem de tarot onde saiu o Seis de Copas como aconselhamento ela não sai da minha cabeça.
O futuro está aí pra ser construído, e isso pode dar medo. O passado, não; ele é confortável porque já aconteceu. É imutável. O máximo que podemos fazer com ele é ressignificá-lo, mas fatos são fatos. Podemos até reconstruir memórias depois de visitar aquilo que passou (o que acontece com frequência), mas jamais conseguiremos mudar acontecimentos.
“Zeus está abaixo de Hades, o que significa que não podemos negociar com a morte. Por sua vez, Hades está abaixo de Crono, o que mostra que nem a morte consegue negociar com o tempo.” Essa é outra reflexão que veio dos estudos de tarot. Não fui conferir a mitologia grega pra saber se foi assim mesmo que aconteceu, mas fez sentido na minha cabeça. Ainda não aprendemos a voltar no tempo pra mudar atitudes e esperar resultados diferentes das nossas ações, então parece razoável que o tempo seja, de fato, completamente intransigente.
Não sei se é só sobre isso (provavelmente não), mas o Seis de Copas me fala bastante sobre a recusa de lidar com as consequências emocionais de atitudes que tomamos lá atrás. O passado é seguro. A gente já conhece a história, já sabe o que deu certo e o que deu errado, já tomou spoiler do fim da história.
Uma das coisas que me intriga no Seis de Copas é a ilustração das crianças e a inegável associação à inocência e à nostalgia. Aqui vejo — e sinto — a provocação fácil que me leva a pensar que o passado era mais simples, inocente, puro e gostoso de se viver.
Um rapaz com quem fiquei foi quem me abriu os olhos pra isso. “Como assim as pessoas dizem que querem viver na época x ou y? Os anos 50 e 60 eram legais por causa das roupas e das músicas? Pois é, tinha gente sendo perseguida e morta só porque tinha um determinado livro dentro de casa! As pessoas têm merda na cabeça?” Ouvi esse desabafo inflamado na rua atrás do CCBB indo pro bar com ele tomar cerveja de milho maltado e comer batata frita murcha. Lembrança que aquece o coração.
Pra escrever o parágrafo anterior, caí na armadilha armada pela nostalgia ao olhar na internet o mapa do Centro do Rio. Sorri quando reconheci alguns pontos e internamente reclamei um embrião de “no meu tempo esse lugar era muito melhor que hoje”.
Escrevo tudo isso ouvindo o primeiro disco de The Strokes, lançado há 20 anos, celebrado por ter referências ao rock dos anos 1970. É a revisitação da revisitação. É também a brincadeira do espelho infinito, aquele truque que aprendi com uns cinco ou seis anos com uma tia e que me deixou maravilhada.
A lição que fica aqui, pelo menos pra mim, é tentar me libertar da sensação de que o passado é sempre um tempo melhor que o presente. Conquistar maturidade pra encarar a vida dessa forma é um desafio, mas pode ser uma das chaves pra ajudar a não virarmos eternos insatisfeitos, já que “no meu tempo” era melhor. Esse tempo já passou. É hora de aprender a olhar pra trás apenas pra saber como tirar boas lições do passado. O tempo é implacável, não volta e não para. Algumas pessoas veem crueldade nisso, outras apenas enxergam como as coisas são. Nessa escala, não sei exatamente em qual ponto estou, a única certeza que tenho é a de não estar fincada em nenhum dos extremos. Espero alcançar o equilíbrio e poder curtir a vibe das lembranças sem me deixar dominar pelo cinismo frio que aprisiona emoções ou pelo entorpecimento imaturo e grosseiro que as impressões passadas deixam na memória.